Muitas empresas, novas ou velhas, querem tirar proveito da Economia das Plataformas e conseguir explorar esta oportunidade. Enquanto o modelo de negócio, os usuários, o preço, entre outros fatores devem ser considerados na hora de definir sua plataforma, muitos esquecem da infraestrutura digital necessária para tornar o modelo de negócio viável e sustentável.
Eu já falei em outros artigos que as plataformas têm um grande potencial para as empresas que desejam inovar. Muitas destas plataformas são a própria inovação, enquanto outras são o meio para que as inovações sejam geradas pela empresa e por outros atores que utilizam a plataforma, como clientes, fornecedores e até concorrentes.
Neste cenário, a infraestrutura digital, que pode ser definida como as tecnologias de informação básica e a estrutura organizacional, em conjunto com as instalações e os serviços necessários para uma empresas operar (Tilson, Lyytinen e Sørensen, 2010), tem papel vital na transformação digital que as empresas buscam.
Esta infraestrutura digital é o que vai permitir as organizações sua convergência digital, ou seja, a digitalização pervasiva da vida organizacional em uma escala global, nacional, regional, industrial ou corporativa.
Quando falamos em infraestrutura, muitos podem entender que isso envolve apenas máquinas, equipamentos e instalações físicas, porém, morfologicamente a infraestrutura digital pode ser definida como um sistema sócio técnico – que envolve a interação entre pessoas e tecnologias no ambiente de trabalho – compartilhado, sem fronteiras, heterogêneo, aberto e em evolução, composto de diversas capacidades em tecnologia da informação e seus usuários, operações e comunidades.
A digitalização das empresas é o que vai permitir a criação de infraestruturas digitais, mas aqui se faz necessário um esclarecimento. Em inglês existe o termo digitizing, que é o processo conversão de sinais analógicos em digitais, mas que se traduz como digitalização, mas não usaremos este significado.
Outra palavra em inglês é digitalization, que é o processo sociotécnico onde se aplica o digitizing em contextos sociais e institucionais que permite as infraestruturas tecnológicas digitais existirem, e que se traduz também como digitalização, e este é o significado que queremos para o termo.
A digitalização é então o processo sociotécnico pelo qual será possível desenvolver a infraestrutura digital da organização. Contudo este processo nunca está completo e finalizado graças a generatividade (generativity) – que é a habilidade de um sistema criar, gerar ou produzir um novo resultado, estrutura ou comportamento sem uma entrada do criador do sistema (machine learning, inteligência artificial, etc).
Desta forma as infraestruturas digitais estão sempre evoluindo.
Características das infraestruturas digitais
As infraestruturas digitais são recursivas. Ao contrário de infraestruturas como a rede de água, esgoto ou eletricidade, que precisam de novos e altos investimentos para serem repetidos, ou seja, não são recursivos, as infraestruturas digitais permitem que elas se multipliquem e se repliquem facilmente.
Esta recursividade é o que possibilita a extrema escalabilidade das infraestruturas digitais, que podem facilmente serem melhoradas ou substituídas de maneira rápida, fácil e com baixo custo.
Infraestruturas digitais possuem flexibilidade para cima quando permitem o desenvolvimento de aplicações e serviços usando os níveis mais baixos de comunicação e armazenamento, e possuem flexibilidade para baixo quando a rede física e digital proporciona a interconectividade e outras funcionalidades requeridas.
Ao mesmo tempo que a flexibilidade permite a maleabilidade da infraestrutura digital, ela pode ser restrita em função de arranjos regulatórios e sociotécnicos que limitam as possibilidades, como limites de tráfego pelas operadoras, limitação de acesso global a internet, etc.
Por fim, as infraestruturas digitais transferem bits, dados digitais que possuem propriedades únicas não encontradas em infraestruturas físicas. Não apenas em função da forma que os dados possuem, mas pela capacidade que temos de analisar e modificar os dados para que passem a ter um significado completamente diferente da informação original. Estas propriedades é o que fazem dos dados os novos ativos para diversas organizações.
Estabilidade e flexibilidade
Como as infraestruturas digitais podem proporcionar controle e autonomia ao mesmo tempo? Esta dualidade entre estabilidade, que permite que novos artefatos, processos e atores sejam adicionados a infraestrutura digital, e flexibilidade, que permite a expansão sem fronteiras das soluções e serviços.
O desenvolvimento de conexões entre atores pode levar tempo, e apenas uma infraestrutura estável permite que estas conexões sejam criadas. Em uma infraestrutura digital que muda constantemente, a dificuldade em gerar novas conexões e, consequentemente, gera escala pode comprometer o nível de mudança necessário. Este paradoxo deve ser compreendido para que as organizações permitam criar infraestruturas digitais que sejam estáveis e flexíveis ao mesmo tempo.
Controle centralizado ou distribuído
O controle da infraestrutura digital estabelece o paradoxo do controle. A consideração da forma de controle define o desenvolvimento dos serviços, a propriedade e definição dos dados, o controle sobre recursos críticos (ex: API), e a apropriação de valor, etc.
As tecnologias móveis permitem um controle organizacional tanto mais restrito quanto mais solto no nível individual. Porém existem evidências que organizações que não definem o nível de controle desejado em suas infraestruturas digitais acaba por implementar infraestruturas que desviam do seu propósito planejado.
A questão é como desenvolver plataformas generativas e ao mesmo tempo estabelecer um conjunto de pontos de controles aceitáveis para os outros em um ecossistema nascente?
Pontos de controle
Os pontos de controle envolvem definir e controlar um conjunto de conexões em um sistema sociotécnico que determina o comportamento e limites para os outros elementos no sistema. Se o balanço entre controle e liberdade não for adequadamente estipulado, os diferentes atores que utilizam a infraestrutura digital podem se sentir desmotivados a participar do ecossistema e abandonar o ambiente.
A definição de um API como ponto de passagem obrigatória pode ser visto como um ponto de controle descentralizado e centralizado ao mesmo tempo, que ao mesmo tempo regula o comportamento e permite acesso.
Desenvolvendo sua infraestrutura digital
As infraestruturas digitais permitem a digitalização das organizações, ou seja, as empresas agora passam a operar em um ambiente virtual. As melhores infraestruturas digitais são generativas, ou seja, permite que novos resultados sejam criados sem que precise da atuação do criador original.
O Sistema Operacional Android é um exemplo de infraestrutura digital que, após colocado no ar, necessita de pouca ou nenhuma interação do criador original – seu principal contribuinte original foi a Google.
Esta infraestrutura digital é recursiva, facilmente replicável, é escalável, está disponível para todos com acesso a um computador, e é flexível, permite o desenvolvimento de diferentes soluções.
O SO Android é um ponto de passagem, que regula quem passa por ele ao mesmo tempo que permite a liberdade para os usuários que fazem uso do sistema. Sendo que o sistema é estável a ponto de permitir novos entrantes e é flexível a ponto de estar em constante evolução.
Como sua empresa pode desenvolver a sua infraestrutura digital com estas características?
Depende do seu negócio. Claramente a utilização de espaços físicos como partes da infraestrutura digital não permite que suas características mais importantes sejam alavancas, então se o seu negócio depende de ativos físicos para gerar valor, talvez você deva pensar em uma infraestrutura digital complementar e paralela, ou então pense em mudar de negócio.
A Amazon é um exemplo de empresa com uma grande infraestrutura digital, e que ao mesmo tempo possui uma infraestrutura física – logística – que entrega para ela os ativos complementares para o seu negócio.
Infraestrutura Digital e Inovação
Desenvolver uma infraestrutura digital significa desenvolver uma plataforma que possua as características desejáveis para a digitalização da organização. Por si só este processo já é bastante inovador para qualquer empresa. Mas, e se esta infraestrutura permitir a empresa gerar inovação constante, escalável, flexível e ainda manter o controle da inovação e assegurar a liberdade para os usuários?
Em 2018, em média foram desenvolvidos mais de 6.000 aplicativos para Android por dia, que é o mesmo número de apps lançados por dia na Apple Store. Talvez estejamos falando do ápice de uma infraestrutura digital que alcançou um estado bastante grande de perfeição.
Nos Estados Unidos, em 2018 foram depositadas em média 1.762 patentes por dia, novamente estamos falando de um país com alto índice de inovação. No Brasil, em 2017, foram depositados 25.658 pedidos de patente de invenção, sendo apenas 5.480 de empresas brasileiras, ou seja, 15 pedidos por dia de invenções 100% brasileiras.
Se você analisar o relatório do INPI vai descobrir que boa parte goram feitas por universidades. Quantas destas são da sua empresa ou até mesmo suas?
A maior parte dos pedidos de propriedade intelectual estão nas universidades por uma razão bastante simples, é lá que boa parte do conhecimento é gerado. Então você deve pensar em como gerar conhecimento ou então como buscar parcerias com estas instituições para transformar este conhecimento em um potencial negócio.
Com certeza poderíamos debater por horas o fato de que pode ser difícil lidar com este tipo de instituição, ou que elas são lentas, que as negociações são difíceis e que elas não têm os mesmos interesses das organizações, mas estaríamos perdendo tempo. Existe um potencial e precisamos descobrir como nós e nossas organizações podem adentrar neste ecossistema e ajudar na geração e disseminação da inovação.
Como criar ou adentrar em um ecossistema de inovação é um desafio para qualquer organização, mas é preciso começar, então, mãos-a-obra.
Referências
TILSON, D.; LYYTINEN, K.; SØRENSEN, C. Digital infrastructures: The missing IS research agenda. Information Systems Research, v. 21, n. 4, p. 748–759, 2010.