Em diversos artigos falei sobre o tema plataforma, mas para a maioria dos empresários e empreendedores, nem sempre é fácil perceber como transformar sua empresa atual em uma plataforma. Este artigo traz algumas dicas de por onde começar e como estruturar sua organização, mesmo não sendo digital, em uma plataforma de negócios.
Plataformas
Eu já falei em outros artigos o que é uma plataforma, mas para relembrar, existem duas definições bastante comuns de plataforma, uma delas considera a plataforma como um conjunto de recursos que permite que outros atores desenvolvam soluções a partir da plataforma.
O sistema operacional Windows é uma, a medida que outras empresas desenvolvedoras de software criem soluções para rodarem na plataforma Windows.
Já a outra definição mais comum tem relação com os mercados de dois lados, onde a plataforma serve de intermediador das relações entre diferentes atores. A Amazon é uma plataforma à medida que intermedia a relação entre fornecedores e clientes, além de, em alguns casos, proporcionar o serviço de logística.
Soluções
As empresas tradicionais gostam de reformular seu propósito, que atualmente está bastante alinhado com a oferta de soluções. Deixando de lado os formalismos e as palavras bonitas, no final as empresas oferecem produtos e/ou serviços.
A maior parte destes produtos e serviços é resultado de conhecimento que em alguns casos pode ser comercializado junto com a solução que está sendo ofertada. Transformar este conhecimento em faturamento ainda é um desafio para muitas empresas, incluindo aquelas que atuam com plataformas digitais.
Sem adentrarmos ainda na dimensão digital das plataformas, podemos ter plataformas 100% não-digitais. Um chassi de um veículo é uma plataforma ou módulo sobre o qual diversos veículos ou carrocerias podem ser montados. Esta modularização permite otimizar recursos e ganhar escala mais rapidamente.
Se uma montadora de veículos utiliza o seu chassi apenas para os seus veículos, então ela tem uma plataforma fechada, mas se alguma empresa fornece chassis para outras montadoras, como é o caso do mercado de ônibus, então temos uma plataforma aberta, onde outras empresas podem desenvolver seus produtos sobre esta plataforma.
Serviços
Para serviços não é diferente. Uma transportadora pode ser uma plataforma que intermedia a conexão entre fornecedores e clientes. A Amazon levou este serviço adiante, proporcionando também a plataforma digital de comercialização.
Outro exemplo são as corretoras que conectam clientes que buscam um apartamento a um locatário ou vendedor. Podemos perceber que todos os serviços de uma forma ou de outra podem ser considerados uma plataforma. Contudo para se ganhar escala este serviço preciso ser digitalizado.
Uma cooperativa de taxistas por muito tempo utilizou centrais para onde as pessoas ligavam e solicitavam o seu táxi. Um dia alguém decidiu que uma central digital, automatizada poderia fazer este serviço e todo o custo de infraestrutura e pessoas foi reduzido consideravelmente, além do fato do serviço pode ser escalado a nível mundial. Sim, estou falando do Uber.
Conhecimento
O conhecimento pode ser definido como a combinação de informações que permite gerar ideias, desenvolver competência e conduzir a ação (Wei, Geiger e Vize, 2019).
Ter conhecimento significa pode criar produtos e serviços que são soluções para os problemas dos clientes. O conhecimento pode ter vários níveis, como o conhecimento para usar um produto, ou para fabricar um produto ou executar um serviço.
Se o cliente tem este conhecimento, pode não precisar do fornecedor, logo se torna de interesse do detentor do conhecimento proteger alguns tipos de conhecimento e abrir outros. De nada adianta ter um produto que ninguém sabe como usar e não querer compartilhar este conhecimento. Lembre que o conhecimento deve levar a ação.
Abertura da sua Plataforma
Agora que você já tem ideia de alguns conceitos básicos sobre plataforma você precisa entender o quanto sua plataforma deve estar aberta ou fechada em cada uma destas dimensões.
Quanto mais fechada sua plataforma, maior o controle que você tem sobre ela, mas todo o investimento em novos desenvolvimentos e criação de produtos está sob sua responsabilidade, o que pode tornar o processo custoso.
Uma plataforma aberta permite que outras empresas desenvolvam soluções utilizando sua plataforma, mas se ela for muito aberta, pode fazer com que outras organizações, incluindo concorrentes roubem suas ideias e faturem sem incluir você na participação dos resultados.
A decisão sobre a quão aberta deve ser sua plataforma é crítico para capturar valor. Se um cliente sabe como a solução é criada, sua plataforma é transparente, mas ele pode escolher não precisar de você para desenvolver a solução.
Se o cliente pode acessar a sua plataforma sem nenhuma restrição, então sua plataforma é acessível, mas os concorrentes também podem acessar e criar eles mesmos produtos e serviços concorrentes.
Abertura dos Produtos
Uma plataforma pode ter uma oferta de produtos, serviços e conhecimento, sendo todos ao mesmo tempo ou uma combinação destes e você vai ter que definir a abertura, transparência e acessibilidade da sua plataforma.
Um estudo realizado por Wei, Geiger e Vize (2019) analisou uma empresa de iluminação e outras duas de tecnologia da informação e comunicação. Neste estudo foi possível identificar que os produtos chave das empresas devem ter um baixo nível de abertura.
Os produtos chave de uma empresa são aqueles que mais agregam valor para o cliente e que a empresa tem competências para explorar melhor do que outros concorrentes.
Para os produtos periféricos, aqueles que são criados e desenvolvidos com base no produto central possuem alta transparência, ou seja, outras empresas podem criar estas soluções periféricas para ofertar no mercado, utilizando o seu produto central como base. Essa abertura permite um maior efeito rede de adoção e maior variedade de soluções ofertadas.
Um exemplo de produto central são os processadores da Intel, que são utilizados em diversas aplicações, com várias empresas que fabricam produtos periféricos para serem comercializados com os processadores, como por exemplo: placas mão, memória RAM, discos rígidos, drivers SSDs, placas de vídeo, placas de som, fontes de energia, etc.
Já para os produtos periféricos é importante mantes um nível médio de acessibilidade, pois isso possibilita barreiras de entrada dos concorrentes. No caso do processador Intel, existe uma acessibilidade média quando se trata dos fabricantes de placas mão, que são aqueles mais próximos de conseguir desenvolver soluções similares. Por esta razão que a Intel também possui placas mão para venda no mercado.
Abertura dos Serviços
Para serviços com baixa customização no qual você não precisa se relacionar diretamente com as partes, um nível de abertura baixo, ou seja, um maior controle vai garantir maior qualidade no serviço e controle sobre o fluxo entre cliente e fornecedor.
Para serviços com alta customização, no qual você precisa construir um relacionamento forte, um nível de abertura médio ajuda a equilibrar as demandas de qualidade e eficiência na combinação e interação entre clientes e fornecedores terceiros.
Abertura do Conhecimento
Para o conhecimento tácito – aquele que está apenas na cabeça das pessoas e de difícil estruturação – um maior nível de abertura permite a construção de confiança e aumenta a variedade de conhecimentos disponíveis.
Para o conhecimento codificado – aquele no formato de manuais – uma abertura média permite controlar o fluxo de informações e criar dependência enquanto facilita o compartilhamento deste conhecimento.
Para o conhecimento explícito – aquele facilmente transferível – a baixa transparência pode criar dependência por parte dos clientes e parceiros e a alta acessibilidade possibilita facilidade de compartilhamento.
Embora o conhecimento possa ser um ativo difícil de mensurar ou de capturar valor, em uma plataforma é importante fazer ele valer, restringindo a disponibilidade até certo limite, mas garantindo acesso como moeda de troca. Um exemplo são os sites que solicitam seu cadastro para que você possa baixar um material gratuito.
Produtos chave e periféricos
Conforme salientamos anteriormente, primeiro você deve definir qual é o seu produto chave, este deve ser um produto e não um serviço. Se o seu negócio não trabalha com produtos, então você pode ir para o próximo item.
Este produto deve permitir que produtos periféricos sejam desenvolvidos sobre ele. Desta forma você acaba de desenvolver a sua plataforma com base em produto. O seu produto chave vai servir para que outras empresas desenvolvam produtos periféricos.
A Apple possui o iPhone e o sistema operacional iOS que são produtos sobre o qual outras empresas desenvolvedoras podem desenvolver produtos periféricos.
Seu produto não precisa ser digital, mas se for, será possível ganhar escala mais rapidamente além da possibilidade de alcançar um mercado global.
Plataformas de Serviço
Uma plataforma de serviço deve ser avaliada em termos da customização e do relacionamento com o cliente. Serviços que precisam de muita customização e constante relacionamento com o cliente, deve se buscar um equilíbrio na abertura da plataforma.
Veja o Uber por exemplo, é preciso garantir a qualidade dos motoristas, então a plataforma não pode aceitar qualquer pessoa como motorista ou então o nível dos veículos e do atendimento cairiam rapidamente. Por outro lado, se houvessem muitas restrições o mercado não alcançaria o efeito rede, comum em plataformas digitais, e que garantem um crescimento exponencial.
Um ponto a destacar é que a diferenciação está relacionada ao serviço prestado ao cliente. Para alguns o Uber pode não apresentar muita diferença nas viagens, mas a maior diferenciação do serviço é a disponibilidade e o preço. Com algumas exceções, geralmente você consegue um transporte rápido e com custo atrativo.
Se o serviço que o cliente precisa não tem diferenciação e apresenta baixa necessidade de relacionamento direto com o cliente, então o melhor é manter a plataforma fechada, afinal de contas, depois de padronizar o que precisa ser entregue, você não precisa de variação na oferta.
A Netflix por exemplo é uma plataforma, de forma geral padronizada. Embora possa se pensar que o conteúdo é o diferencial da plataforma, na verdade o algoritmo do Netflix é que é seu grande diferencial para o cliente. A capacidade deste algoritmo de recomendar filmes e séries é que faz com que os clientes passem mais tempo dentro da plataforma.
Este algoritmo, depois de corretamente configurado, não precisa ser modificado. Por esta razão o desenvolvimento deste serviço deve ser mantido interno, para que outras empresas não usem este algoritmo gerando concorrência para a empresa.
Conhecimento como Valor
Produtos e serviços entregam, de uma forma ou de outra, conhecimento através das soluções que são ofertadas. Parte deste conhecimento deve ser retido e protegido pela empresa, parte deve servir como moeda de troca para que se possa capturar algum valor, e uma outra parte deve ser compartilhada.
Ajustar a abertura do conhecimento é um exercício constante para qualquer negócio, mas não deve ser deixado de lado, caso contrário a empresa deixa de capturar valor com este conhecimento que poderia, no curto, médio e longo prazos, serem convertidos em retorno financeiro.
Conhecimento como um Módulo
Esta visão do conhecimento como um módulo da plataforma permite ter uma visão diferente, que ao invés de se perceber o conhecimento como atividades de transferência, passam a ter uma gestão e aplicação com foco em negócios de solução em que a intensidade do conhecimento aumenta devido à digitalização (Wei, Geiger e Vize, 2019).
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Referências
WEI, R.; GEIGER, S.; VIZE, R. A platform approach in solution business: How platform openness can be used to control solution networks. Industrial Marketing Management, v. 83, n. April, p. 251–265, 2019.