Economia das Plataformas

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Infraestrutura digital para inovação

Muito se fala em nova economia, embora pouco se compreenda o que este “novo” significa. Muito se fala sobre o futuro do trabalho, enquanto pouco se sabe sobre os impactos positivos e negativos deste futuro.

A big data, os algoritmos, a computação em nuvem e as plataformas estão modificando a natureza do trabalho e a estrutura da economia, contudo, a exata natureza destas mudanças será determinada pelas escolhas sociais, políticas e de negócios que fizermos. Afinal de contas, a construção da ciência é um fenômeno social.

Nos últimos anos uma nova economia vem surgindo, a “Economia das Plataformas” (Platform Economy). Embora o nome seja recente, esta nova forma de pensar a economia já vem sendo utilizada a algum tempo e tem evoluído.

Os diferentes nomes para a Economia das Plataformas podem contemplar as Plataformas Digitais, Plataformas Econômicas, Plataformas Abertas, Mercados Multifacetados ou de Múltiplos Lados, Ecossistemas de Plataformas, Plataformas Tecnológicas, Economia Compartilhada, Consumo Colaborativo, Economia Colaborativa, Economia Gig, Consumo Baseado no Acesso, Economia um-a-um, Economia Sob Demanda, entre uma diversidade de sinônimos, sendo alguns mais ou menos semelhantes entre eles.

Nos estudos organizacionais estes termos se multiplicam, pois cada autor quer diferenciar seu ponto de vista dos demais e as nomenclaturas se multiplicam, embora muito pouco seja adicionado de significado a estes modelos.

As plataformas são, em sua maioria, um conjunto de tecnologias e pessoas. Podemos dizer que as plataformas são um complexo sistema sociotécnico, ou seja, envolve a interação entre aspectos técnicos e as pessoas que interagem dentro deste contexto.

Os aspectos técnicos não precisam ser necessariamente as tecnologias, mas também contemplam processos e a estrutura. Na Economia das Plataformas o grande aspecto técnico é justamente a plataforma, sua estrutura, processos, tecnologias, etc.

O aspecto social fica relegado as pessoas, e dentro da teoria sociotécnica o grande objetivo é otimizar a interação entre os diferentes elementos sociotécnicos possibilitando aumento de produtividade e bem-estar.

Definindo Plataformas Digitais

Vamos ver algumas das definições que podem nos ajudar a entender melhor como a Economia das Plataformas se desenvolvem:

Visão Definição de Plataformas Digitais Referências
Técnica Um bloco de construção que proporciona funções essenciais para um sistema tecnológico e serve como fundação sob a qual produtos, tecnologias ou serviços complementares podem ser desenvolvidos. (Spagnoletti et al. 2015, p. 364; Yoo et al. 2012, p.1400)
Conjunto de componentes usados em comum entre uma família de produtos cujas funcionalidades podem ser estendidas por aplicações. (Ceccagnoli et al. 2012, p. 263)
O Código base de um software extensível que proporciona as funcionalidades principais e compartilhadas por módulos que operam em conjunto entre eles e suas interfases. (Tiwana et al. 2010, p.676 ; Ghazawneh and Henfridsson 2013, p.3)
Um conjunto de subsistemas e interfaces que formam uma estrutura comum da qual derivam aplicações que podem ser desenvolvidas e distribuídas. (Xu et al. 2010, p. 1305)
Social Uma rede comercial de fornecedores, produtores, intermediários, clientes, de produtos e serviços complementares que se mantem junto por um contrato formal ou por dependência. (Tan et al. 2015, p.249)
Redes de dois lados que facilitam a interação entre grupos distintos, mas interdependentes de usuários, como por exemplo compradores fornecedores. (Koh and Fichman 2014, p. 977)
Plataformas de múltiplos lados existem quando empresas juntam dois ou mais grupos distintos de consumidores (lados) que precisam uns dos outros de alguma forma, e onde a empresa desenvolve uma infraestrutura (plataforma) que cria valor reduzindo custos de distribuição, transação e busca quando estes grupos interagem uns com os outros. (Pagani 2013, p. 625)
Valor é criado através da facilitação da interação entre dois ou mais grupos mutuamente interdependentes de clientes. (Ye et al. 2012, p. 211)

Quadro 1  – Definição de Plataformas

Fonte: Asadullah; Faik; Kankanhalli (2018)

Por estas definições podemos ver claramente que existe essa divisão técnica e social das plataformas. O primeiro conjunto de definições permite desdobrar as plataformas em um conjunto de aplicações, software ou processos que são a plataforma.

No segundo conjunto de definições temos uma parte menos técnica e mais de interações sociais. Onde as definições estabelecem e colocam foco nos diferentes grupos que interagem dentro da plataforma e como estes grupos se beneficiam da plataforma e capturam valor para si e em conjunto.

Uma plataforma não funciona apenas com um dos lados, pois a interação social não é possível sem os demais atores. E as plataformas precisa de sua dimensão técnica para facilitar e reduzir custos de distribuição, transação e busca.

Características das Plataformas Digitais

Agora que temos uma compreensão dos aspectos técnicos e sociais das plataformas é importante destacar as principais características das plataformas digitais.

O primeiro deles é a redução dos custos de transação. As plataformas possibilitam que os diferentes atores interajam de maneira mais rápida, fácil, com menos atritos e riscos, o que diminui o custo total das transações que são realizadas através das plataformas.

O segundo é a organização e coordenação no desenvolvimento de novas tecnologias e produtos complementares entre os diferentes grupos participantes da plataforma. É neste sentido que o sistema técnico permite maior agilidade, e facilidade de coordenação de atividades complexas. Incluindo seu desdobramento em atividades menores e mais simples que podem ser acompanhadas por todos os grupos participantes da plataforma.

Em seguida temos a generatividade, que é a capacidade de uma tecnologia de gerar novos resultados regularmente, direcionado por uma grande quantidade de usuários heterogêneos. Isso permite que a plataforma esteja em constante transformação e evolução. Em ambientes inovadores esta é uma grande vantagem das plataformas que possibilitam aos seus usuários gerarem valor constantemente.

Por fim temos o efeito de rede cruzado, que implica no aumento do valor para um grupo de usuários conforme aumenta o número dos demais grupos que utilizam a plataforma. Em um ambiente como a Google Play, quanto mais usuários, mais desenvolvedores de aplicativos e assim vice e versa. Todos ganham com o efeito de rede, desde que ele consiga ser explorado e a plataforma consiga atrair diferentes grupo de usuários em grande número.

Plataformas e Ecossistemas de Inovação

Outro tópico que tem sido foco de diversos estudos são os ecossistemas de inovação. De um ponto de vista da Economias das Plataformas, os ecossistemas de inovação e os ecossistemas empreendedores não passam de plataformas onde um sistema técnico, de ferramentas, processos e governança, auxilia o sistema social nas interações, reduzindo os custos de transação, permitindo a organização e coordenação de atividades complexas entre os atores, a generatividade da inovação constantemente, mesmo com a mudança de atores e o efeito de rede, que atrai cada vez mais atores para estes ecossistemas de inovação.

Entre os principais objetivos dos ecossistemas de inovação encontram-se a atração de empresas, retenção e atração de talentos, geração de inovação com impacto para toda a sociedade, geração de valor e destruição deste valor para os diferentes grupos participantes do ecossistema.

Através destes objetivos podemos observar que um ecossistema se assemelha em muito de uma plataforma, seja ela digital ou não.

Economia do Compartilhamento

As plataformas também são consideradas economias de compartilhamento, pois permitem que os diferentes usuários das plataformas compartilhem recursos. Enquanto um modelo como o Airbnb fica mais óbvio como os recursos são compartilhados, em outros, como no caso de um console de jogos, pode não ser tão evidente onde está o compartilhamento, mas a verdade é que em um console usuários e desenvolvedores estão compartilhando o console como forma de se conectarem uns aos outros. A plataforma que permite este compartilhamento é o console.

O compartilhamento de casas, carros, bens e até mesmo outros tipos de produtos e serviços vem se tornando cada vez mais comum. Atualmente a Ikea está pensando em como utilizar um modelo de aluguel de imóveis e seu grande desafio será o de criar uma plataforma que permita aos usuários locar os móveis ao invés de comprar.

Um passo mais além no aluguel de móveis talvez seja uma plataforma que permita aos usuários alugarem móveis entre eles, ou seja, uma espécie de Airbnb de móveis. Embora possa inicialmente parecer absurdo um modelo de negócio assim, o Airbnb também parecia em 2007.

Quando os amigos Joe Gebbia e Brian Chesky, fundadores do Airbnb pensaram em alugar um quarto na sua residência, acreditavam que a confiança poderia ser um problema, mas nem por isso desistiram da sua ideia e o resultado é o que podemos presenciar do modelo de negócio surgido naquele ano.

Para que modelos compartilháveis funcionem muitas mudanças precisam ocorrer. Uma plataforma precisa ser criada, os usuários precisam se interessar pela plataforma, e ao mesmo tempo produtos e serviços devem ser adequados para a plataforma.

Um modelo de negócios baseado em aluguel de móveis precisa mudar toda a estrutura da indústria de móveis, pois os móveis terão que ser fabricados de forma a durarem a várias rodadas de montagem e desmontagem, mas as empresas que perceberem que este é o futuro, já estarão a frente.

A Utopia da Economia das Plataformas

Alguns veem as plataformas como positivas, enquanto outros podem questionar este novo modelo de negócio. A Economia das Plataformas são um novo arranjo econômico e como todas as mudanças elas não ocorrem sem percalços. Toda mudança tem pontos positivos e negativos, mas no final deve existir um saldo positivo para todos os envolvidos, ou então não estamos evoluindo.

Por estas razões negativas que devemos pensar que esta nova economia pode ser um tanto quanto utópica quando muitas pessoas defendem não haver pontos negativos. Na verdade, um dos exemplos mais atuais é o caso do Uber, dos preços repassados para os motoristas, do controle de horas de trabalho por um algoritmo e assim por diante.

Alguns podem defender que participar de uma plataforma como o Uber é uma escolha, mas quando todo o trabalho do futuro for gerenciado por plataformas, talvez não haja escolhas a serem feitas. Ou você está ganhando dinheiro trabalhando através de uma plataforma ou mendigará na rua.

Por esta razão devemos continuar pensando em se e como as máquinas vão substituir as pessoas e qual o futuro do trabalho. E como dito no início deste artigo, embora as mudanças sejam técnicas, as decisões passam pelas mãos da sociedade, dos políticos e das organizações.

Algumas Implicações

Já falamos um pouco sobre o trabalho em tempos de plataformas, mas as plataformas não pesam apenas sobre as pessoas. A competição entre empresas é um outro ponto de mudanças econômicas e sociais pelas quais ainda iremos passar.

Muitos líderes tentam estar atentos as mudanças, mas a verdade é que eles têm medo de que suas empresas, seus negócios, seus produtos e serviços se tornem irrelevantes com o surgimento de uma plataforma que modifique completamente a forma como suas indústrias operam.

A revolução que vai acabar com a sua empresa pode estar acontecendo ao seu lado e você não consegue enxergar. Estar atento não basta, ficar esperando pela mudança não vai impedir que ela aconteça. Ou você e sua organização se tornam os agentes da mudança ou serão rapidamente eliminados por uma plataforma desenvolvida por alguma startup no quarto de um adolescente de 14 anos.

Embora ainda possamos questionar se os micro-empreendedores que surgem com as plataformas estão sendo beneficiados ou prejudicados, esta é uma resposta que teremos apenas no médio ou longo prazo. As implicações para motoristas de Uber ou trabalhadores Home Office, Part-time ou com horário flexíveis, ainda esta por se revelar de maneira mais clara.

O Debate Político

As plataformas são uma realidade, não podemos negar, contudo, balancear as demandas com as consequências desta transformação socioeconômica deve ser uma prioridade por cada ator ou grupo da sociedade que será afetado de uma ou várias maneiras.

Mais do que o desenvolvimento econômico seja através das plataformas ou de outros modelos, devemos olhar para o futuro como cidadãos, e neste sentido as políticas e as leis terão papel fundamental no futuro da Economias das Plataformas.

Sem dúvida alguma, este debate deve ser feito de maneira informada ou então teremos dois lados se opondo. Enquanto uns defendem os benefícios das plataformas, outras vão acreditar nos seus males e nada poderá ser construído de forma a beneficiar a sociedade como um todo.

Devemos explorar as capacidades empreendedoras individuais enquanto destruímos os direitos trabalhistas conquistados ao longo de anos de lutas de classes sociais, ou existirá um caminho alternativo que permita desenvolver um espírito empreendedor e garantir que estes não serão apenas trabalhadores de um modelo informal e desregulado que se auto intitula “plataforma”?

As plataformas realmente vão permitir a geração de inovação ao mesmo tempo que permitem novas formas de renda ou vai apenas excluir uma maioria e privilegiar uma elite? Será que um terceiro, quarto ou quinto caminho é possível?

Só podemos adentrar este debate, e garantir seu desenvolvimento de forma prolífica, se deixamos de lado os vieses e buscarmos o conhecimento para aprimorar a nova Economia das Plataformas e torna-la um modelo que irá possibilitar a verdadeira revolução econômica, social e tecnológica que desejamos.