Cada vez mais as plataformas desempenham um papel vital nos negócios, mas nem sempre é fácil compreender o que é uma plataforma e quais seus diferentes efeitos nas diversas áreas organizacionais. Neste artigo vamos abordar as plataformas de inovação, começando pela definição do que é plataforma e como ela impacta a inovação nas organizações.
Antes de continuarmos vamos apenas deixar claro que uma plataforma não é unicamente digital, ela pode envolver pessoas, empresas, máquinas, entre outros em um espaço físico.
O valor das plataformas está na sua adoção, quanto mais empresas e usuários adotam a plataforma, maior o seu valor para a empresa que tem sua propriedade, assim como para as outras organizações que a utilizam, isso ocorre porque existem mais incentivos para se juntar ao ecossistema e adicionar suas próprias inovações complementares.
Plataformas
Plataformas Internas
Um dos usos do termo plataforma tem relação com o contexto de desenvolvimento de produtos e da inovação incremental em torno do reuso de componentes e tecnologias. Alguns autores definem que uma plataforma pode ser definida como um conjunto de subsistemas e interfaces que forma uma estrutura comum na qual as empresas podem eficientemente desenvolver e produzir uma linha de produtos derivados destes subsistemas.
Esta definição pode ser um pouco complexa, mas ela significa que a plataforma é um sistema físico ou virtual que a empresa usa como ferramenta para criar os produtos, e vale destacar que a plataforma em si não é o produto, mas o meio pelo qual os produtos são criados.
Outros atores apresentam uma visão ainda mais ampla do termo plataforma, como sendo a coleção de ativos (ex: componentes, processos, conhecimento, pessoas e relacionamentos) que um conjunto de produtos compartilha.
Com base nestas definições se sugere que os gestores devem se mover de um “pensamento de portfólio” para um “pensamento de plataforma”, o que permite as empresas entender as relações que conectam a oferta da empresa, ao mercado, e aos processos de maneira única, e explora estes pontos comuns para criar crescimento e variedade alavancadas.
As plataformas internas permitem as empresas obterem diversos benefícios na criação de novos produtos: redução dos custos fixos, ganho de eficiência no desenvolvimento de produtos através do reuso de partes comuns, a habilidade de produzir uma grande variedade de produtos derivados dos mesmos itens, assim como a flexibilidade no design dos produtos.
Uma das grandes vantagens das plataformas baseadas em novos produtos é a capacidade de aumentar a variedade de produtos, atender as demandas do consumidor, do negócio e obter vantagens técnicas ao mesmo tempo que mantem a economia de escala e escopo dentro do processo de manufatura – fator também conhecido como customização em massa.
Estas plataformas operam sob a premissa de que a maior parte dos produtos da empresa são resultado da junção destes conjuntos modulares, que vão sendo adicionados ou substituídos para gerar uma gama de produtos conforme a necessidade do consumidor e a variedade demandada pelo mercado.
Diversos estudos em diferentes áreas têm comprovado que a utilização de plataformas internas traz benefícios para a organização e para o cliente. Na indústria automotiva o compartilhamento de peças entre modelos pode alcançar uma redução de capital de mais de 50% e uma redução no tempo de produção em torno de 30%.
Plataformas de Cadeias de Fornecimento
Este tipo de plataforma estende a plataforma interna para um grupo de empresas que fornece um conjunto de produtos ou componentes intermediários para o líder da plataforma ou para o montador final. Os benefícios para a inovação é que uma empresa pode ter acesso a uma plataforma de fornecedores que vão além da sua capacidade e encontrar componentes e tecnologias mais inovadoras. A parte negativa é que a empresa pode ter menos controle sobre estes componentes e tecnologias, o que leva a uma decisão estratégica sobre comprar, produzir ou formar parcerias para aquisição destes itens.
Este tipo de plataforma é comum na indústria eletrônica, de computadores e automotiva. Um exemplo é a parceria entre Renault e Nissan para a fabricação do Renault Clio e do Nissan Micra, que através da plataforma permitiu reduzir o número de plataformas utilizadas de 34 em 2000 para 10 em 2010.
O objetivo destas plataformas de cadeias de fornecedores não é diferente das plataformas internas e tem como foco o aumento na eficiência e a redução de custos. Em relação aos custos os principais benefícios envolvem a redução na variedade de peças para projetar, manter e fabricar, mas outros pontos positivos podem incluir o aumento na variedade de produtos a um custo mínimo e acesso a novas fontes de inovação.
Uma plataforma de fornecedores apresenta desafios únicos, especialmente em relação ao alinhamento dos objetivos das diferentes partes envolvidas. Para que este tipo de plataforma funcione ainda é preciso uma cadeia hierárquica relativamente forte, com a empresa montadora tomando o papel de centralizador e controle das demais partes participantes.
Plataformas industriais
As plataformas industriais são produtos, serviços ou tecnologias que são desenvolvidas por uma ou mais firmas, e sobre a qual outras empresas podem construir inovações complementares na forma de produtos específicos, serviços relacionados ou componentes tecnológicos. A similaridade desta plataforma com as demais apresentadas anteriormente é que ela proporciona uma fundação comum de componentes e tecnologias, mas variam em relação as outras plataformas porque esta fica aberta para empresas externas.
O grau de abertura pode variar consideravelmente em diferentes dimensões, como grau de acesso a informação, limitações de uso da plataforma, as regras de uso ou o custo de acesso, podendo ter um valor fixo, variável ou gratuito. Alguns exemplos de plataformas industrias contemplam: os sistemas operacionais Microsoft Windows e Linux, os processadores Intel e AMR, iPod, iPhone e iPad em conjunto com o sistema operacional e o iTunes e a Apple App Store, o motor de busca da Google e o sistema operacional Android para smartphones, redes sociais como Facebook, LinkedIn e Twitter, consoles de videogame, além de outros, como a própria internet e mesmo os cartões de débito e crédito.
A grande diferença dos demais tipos de plataformas é que as empresas que desenvolvem as inovações complementares não necessariamente negociam umas com as outras e nem são parte da mesma cadeia de suprimentos ou possuem algum tipo de propriedade compartilhada sobre os desenvolvimentos, como a Toyota tem com seus maiores fornecedores.
Para agregar valor a plataforma deve ser gerenciada de forma estratégica, para aumentar sua vantagem competitiva frente as demais opções de plataformas. Nas plataformas industriais, o detentor da plataforma busca criar valor através da capacidade inovativa das empresas externas a ela e embora ainda existam discussões de quão aberta ou fechada deve ser a plataforma e questões sobre propriedade intelectual, o líder da plataforma busca facilitar e estimular a inovação de terceiros através de uma gestão cuidadosa e coerente do ecossistema de relações, assim como as decisões sobre design e propriedade intelectual.
Bases de uma Plataforma
Para as empresas que estão pensando na criação de uma plataforma a governança tem um papel fundamental no sucesso da mesma, que demanda uma abordagem com base em 4 alavancas distintas.
Escopo da empresa: quais atividades devem ser realizadas pela empresa e quais vão ser relegadas a terceiros? A empresa detentora da plataforma deve decidir se todos os desenvolvimentos complementares serão feitos externamente ou se algum será desenvolvido por ela. No começo de uma plataforma pode ser necessário que a empresa realize desenvolvimentos internos para criar produtos e serviços que serão utilizados pelos consumidores e usuários e assim lançar a plataforma.
Design e propriedade intelectual: quais funções ou características serão incluídas na plataforma, ela vai ser modular, qual o grau de abertura da plataforma e quais preços serão cobrados? Estes fatores podem impactar na atratividade da plataforma para as empresas externas, então devem ser cuidadosamente analisadas, avaliadas e estrategicamente definidas.
Relação com atores externos: qual o processo de gestão de terceiros e como a empresa líder encoraja as contribuições para o ecossistema? Sem uma gestão dos relacionamentos, as partes externas podem não se sentir atraídas pela plataforma e buscar outras plataformas mais atrativas ou que desenvolvam com eles um melhor relacionamento, seja em termos de auxílio no desenvolvimento ou concessões interessantes.
Organização interna: como a empresa líder deve usar sua estrutura organizacional e seus processos internos para garantir aos complementadores externos que o líder está trabalhando para o bem geral do ecossistema? Se as empresas desenvolvedoras externas não perceberem o comprometimento da empresa líder com o bem da plataforma, podem se sentir explorados ao invés de realmente fazerem parte do ecossistema. A empresa líder deve demonstrar, através de suas ações, que está preocupada com a plataforma e investe tempo e recursos na melhoria do ecossistema.
O design da plataforma industrial segue uma lógica diferente dos demais casos. Neste tipo de plataforma não existe uma definição do que será criado, como no caso de uma montadora, mas sim um sistema modular que permite maior liberdade para criação, e assim maior potencial de inovação por parte dos terceiros. Isso porque a plataforma em si não é um produto e precisa dos complementadores para criarem os produtos ou serviços dentro da plataforma. Para o dono da plataforma, isso cria um desafio de design de como incentivar a inovação por parte dos complementadores, o que direciona para outra regra das plataformas indústria: a interface em torno da plataforma deve permitir que empresas externas conectem seus complementos a ela, assim como inovem nestes complementos e façam dinheiro com base em seus investimentos.
A princípio o modelo de plataforma não serve para todos os tipos de produtos, serviço ou tecnologias, porém mais estudos ainda precisam ser realizados para identificar onde o modelo é aplicável, isso porque uma plataforma deve, a) desempenhar uma função que é essencial para um sistema tecnológico mais amplo; e b) solucionar um problema de negócio para várias empresas e usuários em uma indústria.
Mas não está claro como as diferentes empresas podem transformar seus produtos, serviços e tecnologias em plataformas e como o líder pode estimular os complementadores a inovar a partir desta plataforma.
Desafios das Plataformas
Uma plataforma industrial possui um efeito de rede que conecta diferentes atores no desenvolvimento da plataforma e de complementos para ela. E este efeito se torna ainda mais poderoso quando a plataforma conecta os produtos, serviços e tecnologias aos usuários das inovações complementares.
As plataformas podem inclusive ter diversos lados, o que é chamado de mercado com várias faces (multi-sided Market). Pense por exemplo no YouTube, uma plataforma que permite que usuários divulguem seus conteúdos através de seu canal. Este conteúdo vai estar disponível, através da plataforma, a usuários que querem assistir este conteúdo e ao mesmo tempo empresas interessadas em divulgar suas marcas estarão dispostas a pagar para a plataforma para veicular seus produtos e serviços através destes canais.
A plataforma permite a conexão entre criadores de conteúdo, usuários e empresas interessadas em divulgação. No final todos ficam com uma fatia do bolo de diferentes maneiras. A plataforma recebe dos patrocinadores, o criador de conteúdo fica com parte da receita, a empresa tem sua marca divulgada, e o usuário acessa conteúdo do seu interesse.
Uma plataforma líder, que tem o suporte de um ecossistema de complementadores e usuários será mais difícil de superar do que uma empresa focada em produtos específicos. O efeito da plataforma é tão forte que a criação de uma nova plataforma demanda atravessar barreiras bastante difíceis de serem superadas.
E não é apenas isso, no geral a maior parte das empresas possui dificuldade em mudar, principalmente em função do Dilema da Inovação (1997) citado por Clay Christensen, que indica que o sucesso de uma empresa amarra ela a um cliente específico, a uma tecnologia base e a um modelo de negócio que torna difícil para a organização mudar.
Este dilema não se abate apenas sobre as empresas com modelos de negócio tradicionais focados em um portfólio de produtos, mesmo empresas que são atualmente plataformas podem ter dificuldade em mudar suas plataformas e evoluir como provedoras de solução se estiverem enraizadas demais em seus modelos mentais e de negócios para atender complementadores e usuários.
Uma das plataformas mais bem-sucedidas da atualidade é o Google, que passou de uma plataforma de busca, para uma plataforma de e-mail, mapas, aplicações, armazenamento na nuvem e outros serviços que vem crescendo em diversidade e aplicações. Mas nem sempre é possível acertar em todas as áreas, a Google tentou implementar uma rede social chamada Google Plus para competir com o Facebook, mas não obteve sucesso e recentemente (2019) anunciou o encerramento desta plataforma.
Plataformas do futuro
O tópico plataforma pode ser novo ou recorrente dependendo de quando você começou a se familiarizar com o tema. Independente disso elas tem grande potencial de gerar inovação ao mesmo tempo que criam uma grande barreira para novos entrantes, que devem se mover rapidamente antes que a rede se desenvolva em torno de uma única plataforma.
Para os detentores da plataforma inda existe os desafios de superar sua própria plataforma e redirecionar seus esforços para a criação de plataformas aprimoradas, diferentes ou completamente reformuladas, superando o dilema da inovação que afeta todas as organizações independente dos seus modelos de negócio.
O potencial das plataformas é muito grande e seu entendimento ainda é limitado, nos próximos anos com certeza vamos observar o surgimentos de modelos diferentes que vão nos surpreender, a questão que fica é quais serão estas plataformas, como elas vão se organizar, como vão gerar riqueza para toda a rede e quais os benefícios vão trazer ou problemas irão resolver para seus usuários?
Qual você acha que vai ser a próxima plataforma a ganhar destaque ao redor do globo?
Texto produzido com base em (Gawer e Cusumano, 2014).
GAWER, A.; CUSUMANO, M. Platforms and Innovation. In: DODGSON, M.; GANN, D. M.; PHILLIPS, N. (Eds.). . The Oxford Handbook of Innovation. Montreal: Oxford University Press, 2014. p. 1–15.