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A Gênesis de um Ecossistema de Inovação

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A Gênesis de um Ecossistema de Inovação

Criar um ecossistema de inovação parece ser a nova onda do momento. Diversos grupos, tanto entre empresas, universidades, municípios e os governos estaduais e federais vem tentando implementar da melhor forma possível ambientes locais com foco em inovação.

Este ambientes chamados de ecossistemas de inovação demandam a participação de diferentes atores e os conceitos mais atuais utilizam o modelo de hélices (Etzkowitz e Leydesdorff, 2000).

O primeiro modelo contava com 3 hélices contemplando governo, empresas e universidades com o objetivo de proporcionar um ambiente complementar pela atuação destes 3 atores no desenvolvimento do ecossistema.

Mais atualmente se desenvolveu o modelo da hélice quadrupla, que inclui a sociedade civil como parte fundamental para o desenvolvimento do ecossistema e um dos principais atores com demandas em relação ao ecossistema de inovação.

Já a última versão deste modelo é o de hélice quíntupla, que adiciona o meio ambiente como agente passivo, mas que deve ser representado e pensado para que a evolução dos ecossistemas de inovação não represente maiores problemas relacionados ao ecossistema ecológico destes ambientes de inovação.

O que é um ecossistema de inovação?

Eu já abordei ecossistemas de inovação em mais detalhes em outro artigo, que recomendo que você leia, mas de forma simples, um ecossistema de inovação deve descrever os esforços de colaboração de um diferente grupo de atores, que como vimos acima pode envolver empresas, governo, universidades, sociedade e o meio-ambiente.

A colaboração, embora seja outro tópico relevante e que muito se debate quando falamos de inovação, ainda é um grande desafio para a maioria das pessoas, empresas e instituições. Esta colaboração é fundamental para o sucesso dos ecossistemas de inovação e se não compreendermos esta rede colaborativa o ecossistema pode facilmente falhar em sua fase inicial de surgimento (gênesis).

Esta colaboração tem grande relação com as expectativas de cada ator envolvido no ecossistema de inovação em relação aos demais membros. Esta expectativa de cada ator em relação aos demais poderá ser cumprida ou não dependendo de entendimento comum do que se espera.

Inicialmente podemos dividir o ecossistema de inovação em 4 fases distintas, sendo seu surgimento (gênesis), expansão, consolidação e renovação ou morte. Esta última fase implica que o ecossistema deve se modificar com o tempo para se manter competitivo frente aos outros ecossistemas que surgem ou estará condenado ao desaparecimento.

No restante do texto vamos abordar unicamente a gênesis do ecossistema de inovação, e mais especificamente, o papel dos diferentes atores e como estes papéis impactam no nascimento de um ecossistema de inovação.

Expetativa, comportamento e papéis

A expectativa engloba o comportamento esperado de um ator do ecossistema em relação aos demais. O comportamento contempla o que cada ator realiza de atividades dentro do ecossistema, e estas atividades definem o papel de cada ator na rede de colaboração.

Se a expectativa é que um ator se comporte como o líder, e este ator desempenha atividades de liderança, então ele assume o papel de líder do ecossistema de inovação. Contudo é importante lembrar que muitos dos papéis desempenhados dentro do ecossistema não são exclusivos de um único ator. A liderança, por exemplo, pode ser desempenhada por diferentes atores ao mesmo tempo, contudo com vieses diferentes.

Alguns dos papéis chaves em um ecossistema emergente podem ser subdivididos em 4 categorias: liderança, criação de valor direta, suporte na criação de valor e empreendedores. Agora vamos entender cada um deles.

Papéis de Liderança

Como estabelecido previamente, cada papel contempla um grupo de atividades a ele associado. No caso da liderança podemos dividir estas atividades em quatro conjuntos: governança do ecossistema, estabelecimento de parcerias, gestão da plataforma e gestão do valor criado pelo ecossistema.

Sem uma liderança que realize uma ou mais destas atividades, há grandes chances de que o ecossistema não ultrapasse sua etapa de gênesis, ou seja, ele não vai se formar e posteriormente crescer e se desenvolver.

Governança

A governança envolve definir o papel dos demais atores e coordenar a interação entre eles, principalmente em ecossistemas que não são baseados em plataformas. As interações devem catalisar e acelerar o processo de coalescência, que posteriormente vai permitir uma disponibilidade de um fluxo de recursos que deverão ser orquestrados entre os participantes da coalizão.

A governança deve priorizar a interação relacional ao invés de um modelo baseado nos custos de transação e em contratos, e a construção do relacionamento deve encorajar a confiança interorganizacional.

Estabelecimento de Parcerias

Esta atividade envolve forjar parcerias, atrair atores para se juntar a rede e criar incentivos para atores externos se juntarem a aliança. Esta formação de conexões é que irá permitir trazer para a rede todos os atores necessários para se criar valor para o ecossistema.

É preciso criar colaboração em forma de ações coletiva na busca por um objetivo comum. Neste sentido a busca por consenso se torna indispensável para que todos colaborem verdadeiramente. Sem a concordância de todos, alguns podem se sentir excluídos e a colaboração ficar limitada ou nula.

Gestão da Plataforma

Para ecossistemas baseados em plataformas algumas das atividades do líder envolvem projetar e construir a plataforma que irá garantir a participação e gerar valor para um grupo de atores.

A plataforma deve permitir a troca de ideias e o engajamento com as transações que se espera entre os envolvidos. A compatibilidade do escopo de inovação deve estar alinhada com a plataforma para permitir o funcionamento do mercado.

Gestão do Valor

A apropriação de valor criado pelo ecossistema deve garantir a permanência dos atores na rede, que devem estar satisfeitos com a quantidade de valor que cada um consegue se apropriar.

O líder deve garantir equidade na geração e distribuição de valor com foco no bem-estar do ecossistema. Um líder que não tenha o ecossistema como foco, mas apenas seus ganhos, irá acabar por limitar ou inviabilizar o surgimento do ecossistema em todo o seu potencial.

Criação de Valor Direta

Estes atores estão diretamente associados com a criação de valor e a liderança deve garantir a massa crítica e a colaboração entre os participantes para entregar valor de maneira holística, ou seja, para todos. Aqui são identificados 4 papéis na criação de valor: fornecedores, montadores, usuários e complementadores.

Cada um destes papéis é indispensável para o ecossistema e a falta de um deles elimina a possibilidade do ecossistema existir como ecossistema.

Fornecedores

Entregar materiais, tecnologias e serviços para os outros atores do ecossistema. Este papel pode ser realizado por todos os atores do ecossistema, na medida que todos eles entregam alguma coisa para o ecossistema e entre eles.

Montador

Aqui montador não tem o significado geralmente compreendido, mas a atividade envolve a ação de agregar os componentes, materiais, serviços e informação produzidas pelos outros atores. Os atores que atuam nesta função são os conectores entre os diferentes participantes.

Complementadores

Esta atividade envolve estender as principais ofertas dos fornecedores e montadores, e atender as especificações demandadas pelos clientes. Um exemplo de complementador são os desenvolvedores de jogos e softwares, que sem estes não existiria razão da fabricação  de computadores ou mesmo videogames.

Usuários

Sem os usuários não há como definir o problema ou necessidade e por esta razão que estes atores são os primeiros a ter o seu papel definido, eles são o gatilho para a criação do ecossistema e fonte de ideias inovadoras.

Enquanto os papéis de fornecedores, montadores e complementadores são definidos mais ao final da fase de gênese do ecossistema, os usuários devem ser o primeiro papel a ser definido na cadeia de criação de valor direta, pois sem esta definição clara, não se sabe quem pode ou deve ocupar os demais papéis.

Suporte na Criação de Valor

Estes papéis não criam valor diretamente pela entrega de produtos e serviços, mas provendo elementos periféricos de suporte. Os dois papéis de suporte envolvem os especialistas e os campeões (champions).

Especialistas

Os especialistas detêm grande parte do conhecimento que será utilizado pelo ecossistema. Este papel tem como função gerar conhecimento, invenções e descobertas e geralmente está associado a universidades ou centros de pesquisa.

Algumas atividades também envolvem a criação e disseminação deste conhecimento e a promoção da comercialização da tecnologia, além de fornecer pessoal capacitado para atuar no ecossistema, provendo consultoria e expertise.

Campeões

A construção de conexões e interações não deve ser relegada apenas a alguns líderes, existem diversos atores que possuem capilaridade por todo o ecossistema e que podem contribuir com o fomento do ecossistema não apenas localmente na sua empresa, mas atravessando fronteiras de várias organizações.

Empreendedores

Os empreendedores compreendem 3 papéis: empreendedor, patrocinador e regulador.

Empreendedor

O papel do empreendedor não um único, mas entre suas atividades, então a identificação de oportunidades e a conexão entre pesquisa e comercialização. Muitos empreendedores entendem que um ecossistema de inovação permite uma proximidade e relacionamento com atores importantes. Este papel pode ser desempenhado por indivíduos ou startups.

Patrocinadores

Em geral os empreendedores possuem grande limitação de recursos e é aí que surgem os patrocinadores, que proporcionam assistência financeira além de co-desenvolvimento, conexão com mentores e outras atividades para incentivar e fomentar o empreendedor.

Reguladores

Os regulares são facilitadores da formação de novas empresas, criando um ambiente favorável economicamente, politicamente e legislativamente. Sem este agente, que geralmente é representado pelo governo, muitos ambientes de inovação acabam não surgindo pela falta de incentivos regulatórios, principalmente em países altamente burocráticos, lentos e com altas barreiras ao empreendedorismo.

Conclusão

Entender a formação de ecossistemas de inovação tem sido foco de diversos estudos na área de administração, mas diversas perguntas ainda permanecem sem uma resposta definitiva, como: Quais são as ações que dão forma aos ecossistemas de inovação? Como o ecossistema de inovação evolui ao longo do tempo? Até que ponto o processo de surgimento de um ecossistema de inovação prediz sua performance no futuro? Saber a resposta para estas perguntas pode ajudar a clarear e possibilitar o desenvolvimento de ecossistemas de inovação de maneira mais rápida e eficiente ao redor do mundo.

A resposta que tentei responder neste artigo diz respeito a: Quais os atores e seus papeis durante o surgimento de um ecossistema de inovação?

Se sua empresa, governo, universidade, cidade ou estado estão realizando esforços para desenvolver um ecossistema de inovação é importante estar preparado para compreender quem são estes atores e quais atividades cada um deve realizar para que o ecossistema tenha mais chances de obter sucesso.

O que foi descrito acima não é uma versão final, mas pode ser um ponto de partida para fomentar um ambiente mais inovador em sua localidade. Tanto a liderança quanto os atores que fazem parte do ecossistema são indispensáveis para o desenvolvimento do ecossistema, então não menospreze a importância de cada um.

Existem diversos estudos que indicam que as lideranças não precisam ser necessariamente de uma ou outra entidade, como por exemplo, governo, universidade ou empresas. Todos eles têm potencial de se tornarem líderes eficientes, desde que entendam como a gênese de um ecossistema funciona, como definir os papéis e distribuir valor entre os participantes.

O início de um ecossistema de inovação tende sempre a ser mais conturbado, iterativo e caótico do que as etapas posteriores, mas se você possui a energia e a vontade de colaborar com a construção de um ambiente inovador, mãos-a-obra.

Agora eu quero saber, você está envolvido ou pretende se envolver com algum projeto de criação de um ecossistema de inovação? Como está sendo este processo?

 

Texto baseado em (Dedehayir, Mäkinen e Roland Ortt, 2018)

DEDEHAYIR, O.; MÄKINEN, S. J.; ROLAND ORTT, J. Roles during innovation ecosystem genesis: A literature review. Technological Forecasting and Social Change, v. 136, p. 18–29, 2018.

ETZKOWITZ, H.; LEYDESDORFF, L. The dynamics of innovation: from National Systems and “Mode 2” to a Triple Helix of university–industry–government relations. Research Policy, v. 29, n. 2, p. 109–123, 2000.

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Sou doutor em Administração pela UNISINOS, mestre em Administração pela UNISINOS e graduado em Administração de Empresas, na linha de formação Empreendedorismo e Inovação. Atualmente, atuo como professor, pesquisador e consultor e tenho amplo conhecimento em ecossistemas de inovação, gestão de projetos, análise de mercado, pesquisa, desenvolvimento e inovação. Meu conhecimento aborda principalmente práticas para solução de problemas por meio do método científico.