A competição nos mercados está gradativamente mudando para um modelo baseado em plataforma, as fronteiras das empresas estão se expandindo para além dos limites organizacionais e os mecanismos de coordenação convencionais não estão prontos para ganhar escala na mesma magnitude das plataformas.
Criar uma plataforma não é algo simples, e envolve responder diferentes questões sabendo que a arquitetura técnica e os princípios de organização, em conjunto, determinam a evolução da plataforma e consequentemente afetam sua diferenciação em relação aos concorrentes.
Enquanto estes dois fatores são internos e controlados pela organização, também existem fatores exógenos. A plataforma vai responder melhor ou pior às dinâmicas do ambiente, ou seja, aos fatores externos, dependendo das escolhas técnicas de seus criadores (Tiwana, Konsynski e Bush, 2010).
Este artigo pode ser utilizado como um guia para você definir alguns pontos importantes na criação da sua plataforma, seja ela digital ou física, mas lembrando que alguns destes itens podem se aplicar melhor a um ou outro tipo de plataforma. Cabe a você estudar sobre o tema e encontrar os pontos de convergência entre sua ideia e os fatores seguintes a serem levados em consideração.
Muitos destes fatores não são diretos, mas questionamentos que você deve responder para dar seguimento a criação da sua plataforma. Os modelos não são únicos ou um conjunto limitado e para cada caso podem surgir diferentes alternativas de implementação destes mecanismos.
Arquitetura da Plataforma
A arquitetura da plataforma pode ser definida como o ecossistema – conjunto de plataformas e módulos – dividido na estabilidade da plataforma, no conjunto de módulos complementares que são encorajados a mudar e nas regras de design de ambos. Ou seja, deve haver um equilíbrio entre estabilidade e mudança e são as regras de design que vão ajustar este equilíbrio na arquitetura da plataforma.
As propriedades da arquitetura das plataformas contemplam três perspectivas distintas: a) decomposição; b) modularidade; e c) regras de design.
A decomposição faz referência em como a forma e função do ecossistema de plataformas é quebrado em partes em um conjunto de subsistemas menores. Ele define quais subsistemas e funções fazem parte da plataforma e deve ser decomposto até um nível atômico, ou seja, em um nível onde não se possa mais realizar a decomposição.
Esta decomposição permite lidar com a complexidade, desenvolver subsistemas completos em si mesmo e possibilitar a evolução das partes mantendo a estabilidade do todo.
Estas mudanças nos levam a modularidade, ou seja, a capacidade de mudanças serem realizadas nos subsistemas sem afetar o comportamento das outras partes do ecossistema, que podemos chamar de encapsulamento.
A arquitetura de uma plataforma pode variar entre uma completa modularização ou sua completa integração. A Apple Store é bastante modularizada quando pensamos nos aplicativos individualmente que podem ser modificados sem afetar todo o sistema. Uma montadora de veículos pode ser afetada radicalmente com a modificação de uma peça em uma linha de veículos por um de seus fornecedores – sistemistas.
Em plataformas digitais o desenvolvimento de subsistemas ocorre através dos APIs – application programming interfaces – que possibilitam a modularização.
O aumento na modularidade pode reduzir os custos de coordenação dos participantes, liberar recursos para outros projetos, e encorajar a especialização. Mas por outro lado ela facilita a imitação, dificulta a diferenciação dos módulos, limita o aprendizado pelos proprietários da plataforma, e causa a perda de sinergias específicas.
Não existe um nível de modularização melhor ou pior, mas o equilíbrio que deve ser alinhado com os atores da plataforma, incluindo usuários, desenvolvedores, fornecedores e proprietário.
Para chegar a este equilíbrio existem as regras do design da plataforma que o proprietário espera que os desenvolvedores de módulos obedeçam e garantam interoperabilidade com o restante do ecossistema.
Duas regras de design são fundamentais, 1) quão estável é a plataforma ao longo do tempo; e 2) sua versatilidade.
A estabilidade garante que os participantes futuros vão encontrar as mesmas premissas dos participantes anteriores e podem fazer as mesmas suposições sobre a plataforma, sem precisar verificar constantemente estas premissas.
A versatilidade é o que evita restrições em demasia que implicaria em diminuição na variedade de flexibilidade do ecossistema como um todo. Para os criadores da plataforma fica o desafio de como estabelecer as regras de design de forma a restringir as partes, mas mantendo versatilidade suficiente.
Governança da Plataforma
Quem toma as decisões sobre a plataforma é quem define a governança. O desafio da definição da governança está em reter controle suficiente para garantir a integridade da plataforma enquanto abre mão do controle para encorajar a inovação pelos demais usuários. Neste sentido três perspectivas distintas se tornam relevantes para o estabelecimento da governança: a) divisão da decisão; b) controle; e c) propriedade exclusiva versus compartilhada.
Divisão da decisão
A decisão sobre os direitos de decisão define quem pode tomar decisões sobre a plataforma, que pode ou não incluir clientes, usuários, fornecedores, desenvolvedores, etc. Além disso é preciso estabelecer diferentes classes de decisão e em quais classes cada grupo pode atuar de forma conjunto ou individual.
Três classes de decisão implicam: o que um subsistema faz – características e funcionalidade; como ele faz – design, conceito e interface; e quem controla as interfaces internas do ecossistema. Cada uma destas classes pode ter um ou mais decisores.
Cada uma destas dimensões pode ser mais ou menos estável. A interface do sistema pode ser mais estável e mudar menos ao longo do tempo, principalmente conforme a plataforma se consolida como a melhor alternativa. Já o que cada subsistema faz pode ficar a carga da decisão de cada ator ao invés de ser centralizado no proprietário.
Toda definição de quem decide o que irá levantar pontos positivos e negativos aos quais a plataforma e seu proprietário terão que conviver.
Controle
O controle diz respeito aos mecanismos formais e informais implementados pelo proprietário da plataforma para encorajar o comportamento desejado pelas demais partes. No controle forma existe o controle sobre o resultado e o controle sobre o processo.
No controle sobre o resultado o proprietário especifica como os módulos são avaliados recompensados ou penalizados, enquanto no controle do processo o proprietário define os métodos e processos que os demais atores devem seguir.
No controle informal existe o apelo para valores, crenças e normas para guiar o comportamento dos demais atores, em especial os desenvolvedores. De qualquer forma os mecanismos de controle podem estar mais voltados para a coordenação do que para a mitigação de danos pelos atores.
Propriedade exclusiva versus compartilhada
Uma plataforma é propriedade de uma única empresa ou de várias organizações? – Mas não confunda plataforma aberta e fechada, que é outro conceito – esta definição pode impactar na evolução da plataforma tendo em vista quão dispersa ou concentrada está o processo de decisão da plataforma.
A concentração pode agilizar alguns processos, mas ser menos inclusivo e limitar o desenvolvimento de uma solução ótima. A dispersão pode dificultar a decisão, enquanto garante maior diversidade e pode otimizar os mecanismos de governança da plataforma.
Alinhamento Interno
A relação entre a arquitetura e a governança pode influenciar a dinâmica evolutiva da plataforma. A arquitetura pode reforçar ou diminuir a influência da governança em sua dinâmica evolutiva e a relação entre estes dois fatores deve ser levado em consideração.
Dinâmicas do Ambiente
O ambiente externo pode influenciar de diferentes formas a evolução da plataforma. As trajetórias tecnológicas podem direcionar o mercado ou até mesmo as tecnologias usadas no desenvolvimento de soluções para caminhos não pensados pelos participantes da plataforma.
Os custos de adotar uma plataforma ou várias similares pode afetar a evolução da plataforma. Quando os custos de adotar múltiplas plataformas por parte dos participantes é alto, os desenvolvedores e usuários precisam de boas razões para se afiliarem a uma plataforma e não a outra.
A influência exercida por complementadores, direta ou indiretamente, que fornecem serviços para uma ou mais plataformas, mas sem participarem da plataforma, pode impactar na evolução da plataforma e a tensão entre interesses divergentes pode impactar em todo o ecossistema.
Alinhamento Ambiental
A relação entre as dinâmicas do ambiente e os fatores endógenos da plataforma – arquitetura e governança – podem impactar na sua evolução.
As escolhas endógenas do proprietário da plataforma influenciam as expectativas, facilitam a coordenação e permitem a compatibilidade com o ambiente externo do ecossistema. O desalinhamento entre as escolhas do proprietário da plataforma em relação ao contexto em que ela existe pode acelerar a mortalidade ou proporcionar condições para ela prosperar.
Avaliando as dinâmicas de evolução
No longo prazo, algumas variáveis se tornam importantes para compreender a evolução das plataformas. A taxa de evolução compreende o quão rápido ou devagar a plataforma ou seus módulos evoluem e qual o impacto disso para os participantes.
O envelopamento permite compreender quando uma plataforma pode englobar mais atividades, engolindo muitas vezes plataformas adjacentes que possuíam ofertas limitadas.
Já a mutação derivada implica na criação de uma plataforma ou módulo a partir dos já existentes, mas completamente diferente do seu original, gerando um subproduto da adaptação do sistema original.
A mortalidade avalia historicamente os módulos ou as plataformas buscando compreender as razões de sua taxa de mortalidade.
E a durabilidade pode indicar o quanto um módulo ou plataforma persiste devido as suas características como vantagens e distinção no mercado.
No curto prazo as variáveis que podem ser relevantes englobam a composição, que avalia quão simples é ampliar as funcionalidade do módulo ou da plataforma sem comprometer toda a integridade do sistema, e a maleabilidade, que é a facilidade em reconfigurar o sistema para se adaptar a evolução das necessidades dos usuários.
Estas não são as únicas variáveis de evolução, mas são algumas das principais que você deve levar em consideração na hora de avaliar a sua plataforma e na comparação com outras opções de plataformas concorrentes.
A medição do que pode ser um indicador de sucesso ou fracasso é importante para que você permita a sua plataforma evoluir atendendo as demandas de todas as partes interessadas e que utilizam sua arquitetura.
Evolução constante
A criação de uma plataforma é um processo de mudança constante, principalmente no começo de sua vida. Quanto mais a plataforma itera e evolui, maiores se tornam suas chances de sobrevivência, tanto no curto quanto no longo prazo.
Plataformas Híbridas
Uma plataforma híbrida contempla uma arquitetura modular em camadas, composta de uma arquitetura modular de produtos físicos e uma arquitetura de tecnologias digitais em camadas (Yoo, Henfridsson e Lyytinen, 2010).
A digitalização permite que produtos físicos sejam programáveis, endereçáveis, sensíveis, comunicativos, memoráveis, rastreáveis e associáveis. A inovação digital, que permite a combinação de componentes digitais e físicos para gerar novos produtos, demanda que as empresas revejam sua lógica organizacional, suas estratégias competitivas e o uso de sua infraestrutura de TI – que agora tem um propósito muito maior que atender os clientes internos ou servir como BackOffice.
A inovação digital, que engloba o híbrido entre produtos físicos e digitais, possui três características principais, sua reprogramação, permitindo a separação da lógica interna do dispositivo e o corpo físico que executa esta lógica; a homogeneização dos dados, que possibilita que qualquer conteúdo seja armazenado, transmitido, processado ou visualizado utilizando o mesmo dispositivo e a rede, além de diferentes dados poderem ser recombinados facilmente para entregar uma diversidade de serviços que dissolvem as fronteiras dos produtos e das empresas; e, a autorreferência, onde a difusão da inovação digital cria externalidades de rede, acelerando a criação e disponibilidade de dispositivos, redes, serviços e conteúdo, que por sua vez aumentam a difusão da inovação digital – também chamado de efeito rede.
As tecnologias digitais democratizaram a inovação e praticamente todos podem participar.
A lógica da arquitetura em camadas
Este tipo de arquitetura consiste em quatro camadas: dispositivos, redes, serviços e conteúdo.
Os dispositivos são a camada composta pelos produtos físicos e seus sistemas operacionais, que permitem o controle e manutenção do equipamento físico e proporcionam conexão do equipamento físico as demais camadas.
A camada de rede inclui tanto a infraestrutura física (cabos, espectro de rádio, transmissores, roteadores, modens, etc.) quanto a lógica de transmissão (protocolos TCP/IP, p2p, etc.).
A camada de serviços lida com as funcionalidades das aplicações que servem os usuários conforme eles criam, manipulam, armazenam e consomem conteúdo.
E por fim a camada de conteúdo, que inclui dados como textos, sons, imagens, vídeos que são armazenados e compartilhados. Esta camada também proporciona metadados e informação sobre o conteúdo, como origem, propriedade, direito de uso, compressão, tags, marcação geográfica e temporal, entre outras.
A natureza em camadas das tecnologias digitais trouxe níveis não esperados de generatividade – capacidade de um processo gerar resultados sem novas entradas do seu criador original – mas as empresas não estão sabendo lidar com esta generatividade e tirar proveito das novas estratégias que surgem e de sua infraestrutura interna.
Arquitetura modular em camadas
Em um mundo com produtos físicos as empresas estão acostumadas com dois modelos bastante conhecidos, integração e modular.
Em um modelo de integração a empresa tenta controlar todas as suas atividades, podendo incluir atividades que não são o core business da organização, utilizando muitas vezes uma estratégia de integração vertical.
No sistema modular as empresas busca a padronização entre componentes para otimizar ao máximo a fábrica, com uma modularidade alta, uma empresa consegue através de poucos itens fabricar uma grande diversidade de produtos para oferecer ao mercado. Isto gera uma maior agilidade sem sacrificar custo ou qualidade.
Conforme uma empresa adiciona componentes digitais em produtos físicos, surge a arquitetura modular em camadas. Ou seja, além de termos a lógica modular no desenvolvimento, fabricação e comercialização do produto, também temos as 4 camadas digitais que agregam valor ao produto através das tecnologias digitais – o celular definitivamente é o melhor exemplo de uma arquitetura modular em camadas.
A lógica da arquitetura modular em camadas
Através da arquitetura modular em camadas, um produto digitalizado se torna simultaneamente um produto e uma plataforma.
Uma plataforma de produto digital engloba um conjunto de camadas que funcionam como um novo produto e ao mesmo tempo permite que outros inovem dentro dele, utilizando recursos da plataforma controlados pela empresa (SDKs, APIs).
A empresa então busca atrair atores heterogêneos para projetar e produzir novos componentes em camadas da sua plataforma de produto digital. A generatividade da arquitetura modular em camadas vem da empresa conseguir desenvolver uma plataforma de produto que possa atrair muitos atores em diferentes camadas e fazer com que eles desenvolvam as soluções para os usuários.
Uma Nova Estratégia
Premissas sobre uma indústria estável e um produto fixo e dentro das fronteiras organizacionais irá limitar o efeito exploratório da tecnologia digital, é preciso que as empresas repensem seus modelos estratégicos para contemplar produtos digitais.
Neste novo cenário estratégico a TI das organizações deve repensar seu papel e se transformarem junto. A infraestrutura de TI deve atuar de forma conjunta no desenvolvimento da solução pensando estrategicamente as camadas de redes, serviços e conteúdo.
Um exemplo seria uma empresa que fabrica implementos agrícolas, e que antes possuía no seu departamento de TI o know how para coordenar e otimizar diversas atividades de BackOffice, mas que agora precisa pensar em como utilizar Machine Learning, inteligência artificial, e outras ferramentas para agregar valor ao produtor rural que compra os equipamentos da empresa e quer economizar insumos e aumentar a produtividade.
O papel central da infraestrutura de TI é dar suporte a generatividade através da gestão, coordenação e conexão de recursos do conhecimento heterogêneos.
Sua organização está pensando em como desenhar sua nova estratégia? Qual o papel da TI e das outras áreas na sua organização? Você já desenvolveu a sua plataforma de produto – híbrido ou não?
Referências
TIWANA, A.; KONSYNSKI, B.; BUSH, A. A. Platform evolution: Coevolution of platform architecture, governance, and environmental dynamics. Information Systems Research, v. 21, n. 4, p. 675–687, 2010.
YOO, Y.; HENFRIDSSON, O.; LYYTINEN, K. The new organizing logic of digital innovation: An agenda for information systems research. Information Systems Research, v. 21, n. 4, p. 724–735, 2010.