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Um Guia Definitivo para Implementar a sua Plataforma Digital

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Um Guia Definitivo para Implementar a sua Plataforma Digital

Apesar da palavra “plataformização” não fazer parte da língua portuguesa, não podemos negar que é um termo recorrente atualmente. As empresas que não estão pensando em criar suas plataformas é porque, ou já criaram, ou porque estão paradas no tempo, todas as outras estão pensando em como colocar em prática as suas plataformas e obter ganhos de escala.

Este artigo vai lhe ajudar a compreender como você pode criar sua plataforma, seja você uma empresa já estabelecida, uma startup ou um jovem empreendedor com várias ideias na cabeça.

Primeiro eu recomendo que você leia este texto que fala sobre O que é uma Plataforma, para ter uma base sobre o tema e depois continue com esta leitura, mas se você já sabe do que se trata, então vamos colocar a “mão na massa”.

Onde estão as oportunidades para as plataformas

Uma oportunidade para um mercado com vários lados (multi-sided Market) e que demanda uma plataforma que conecte estes atores, surge quando o atrito entre os participantes do mercado impede que todos eles se relacionem de maneira fácil e direta.

Custos de transação

Uma das maneiras de identificar estas oportunidades é observar os custos de transação que existem entre as diferentes partes. Se estes custos, não apenas financeiros, mas de tempo, com seguros, de contratos e geração de confiança, entre outros custos, são altos, uma plataforma que facilite o relacionamento entre duas ou mais partes, reduzindo os custos e diminuindo o atrito, pode ser uma oportunidade.

Massa crítica

Para obter tração, ou seja, para crescer de forma exponencial, uma plataforma deve atingir massa crítica, ou seja, a plataforma deve atingir uma quantidade de usuários de todos os lados do mercado que permita que seu crescimento se mantenha sozinho, sem a necessidade de grandes investimentos para crescimento do número de usuários da plataforma.

Antes de atingir a massa crítica é preciso trazer para a plataforma um determinado número de usuários, para criar valor para todos que estão dentro e mostrar valor e atrair aqueles que ainda estão fora da plataforma. Não existe um número mágico, mas resolver um atrito bastante grande entre os usuários pode garantir a massa crítica necessária mais rapidamente.

Estrutura de preço

A estrutura de preço da plataforma é fundamental para o seu sucesso. Observe na tabela abaixo alguns exemplos de estrutura de preço de algumas plataformas:

Plataforma de lados múltiplos Lado do dinheiro Lado subsidiado Preço típico no lado subsidiado
Consoles de videogames O editor paga royalties O consumidor paga um preço marginal ou menos pelo console Abaixo do custo
Sistemas operacionais de PC Os usuários pagam direta ou indiretamente através dos fabricantes de PC Os desenvolvedores não pagam taxas de acesso e pagam um valor nominal para kits de desenvolvimento Grátis
Jornais físicos Anunciante paga Os leitores pagam menos que o custo marginal de impressão e distribuição e as vezes não pagam nada Abaixo do custo
TV aberta Anunciante paga Consumidores não pagam Grátis
Cartões de crédito Comerciantes pagam por transação Consumidores não pagam por transação e as vezes recebem recompensas Negativo
Shopping center fechados As lojas pagam Consumidores não pagam pela transação, ganham estacionamento grátis em shoppings afastados e recebem entretenimento gratuito Grátis a negativo
Corretores EUA Vendedores pagam comissão Compradores não pagam Grátis
Compras online Vendedores pagam comissão Compradores não pagam Grátis
Recrutadores Empregadores pagam por postagem ou recrutamento Pessoas em busca de vagas não pagam Grátis
Mecanismos de busca Empresas pagam por anúncios Utilizadores não pagam Grátis
Casas noturnas Homens pagam Mulheres não pagam ou recebem bebidas de cortesia Abaixo do custo ou grátis

A estrutura de preço tem um grande impacto no sucesso da plataforma, se ela for estabelecida de forma a não atrair os múltiplos lados da plataforma, corre o risco de não atingir a massa crítica. A estrutura de preço deve garantir que a plataforma decole e ao mesmo tempo seja financeiramente viável no longo prazo.

Os múltiplos lados

Uma plataforma geralmente vai estar inserida em um ecossistema maior, envolvendo empresas, governos, regulações e outras instituições. A plataforma deve entender como cada uma das outras partes se relaciona e impacta na plataforma, e deve definir quantos grupos de clientes serão conectados, ou seja, quantos lados a plataforma vai ter.

Plataforma física ou virtual

Embora exista uma tendência de que as plataformas sejam virtuais, em alguns casos, principalmente em função de limitações do mundo virtual, pode ser necessário uma plataforma física, onde os atores interagem presencialmente ou próximos uns dos outros. Além disso também existem plataformas híbridas, onde alguns momentos serão virtuais e outros presenciais, o que pode complementar a experiência dos usuários.

O mais importante é que o ambiente da plataforma, seja físico ou virtual, aprimore a experiência e o valor do efeito de rede direto ou indireto entre os participantes.

Interação

O poder das plataformas está na sua capacidade de conexão e o valor é criado nas interações entre os participantes. Se não existe esta interação, muito dificilmente existirá alguma troca de valor. As plataformas de maior sucesso são utilizadas como ferramentas de governança da rede, o que implica em criar leis, benefícios e penalidades para os participantes. A regras certas podem promover as externalidades positivas da rede, que é desejável por qualquer plataforma, ao mesmo tempo que evitam as externalidades negativas, sejam elas diretas ou indiretas.

Todas estas questões são ainda mais relevantes quando falamos de novas plataformas em indústrias maduras, e muitas das definições que devem ser tomadas acima seguem a lógica de tentativa e erro. Por esta razão que empresas nascentes (startups), mais flexíveis e com ideias inovadoras podem se permitir entrar nestes mercados, onde são capazes de acertar e errar, inclusive junto ao cliente, para testar sua plataforma e seu modelo de negócio.

Um modelo para plataformas digitais

Os elementos chave da criação de uma plataforma envolvem a plataforma, o efeito de rede e as expectativas do mercado:

A plataforma

Esta é a estrutura do ecossistema sobre o qual os participantes da plataforma podem criar seus produtos e serviços. Se não existir uma plataforma, não existe o ecossistema. Alguns aspectos críticos da plataforma incluem a abertura, modularidade e qualidade percebida pelo ecossistema. A plataforma vai dar suporte aos dois elementos a seguir.

Efeito de rede

Este efeito permite a autoperpetuação do ciclo de participação e envolvimento dos usuários no ecossistema. Mais participantes, produtos e serviços conduzem a atração de mais usuários finais. Ao mesmo tempo, mais usuários finais na plataforma atraem mais participantes com seus produtos e serviços.

Os líderes do ecossistema devem ser capazes de criar os incentivos certos (financeiros ou não), assim como um sistema que dá suporte aos participantes. Deve estar claro como a sua plataforma e não a dos concorrentes cria mais valor para os usuários e os participantes do ecossistema. Aqui o valor é criado por todo o ecossistema, o que é um desafio para empresas e instituições que estão acostumadas a criar valor apenas para elas ao invés de dividir o valor por toda a plataforma compartilhada.

Existem duas dimensões que permitem fomentar o efeito de rede, o negócio e as operações. O negócio define como o valor é criado e compartilhado entre todos. Líderes devem envolver os participantes para criar valor para os usuários e gerar receita para todos os envolvidos. A estratégia do ecossistema deve definir claramente como este valor é dividido. Além da divisão justa de receitas, os incentivos podem incluir acesso a mercados, compartilhamento de recursos, marketing e suporte técnico. No lado operacional, o líder da plataforma deve desenvolver capacidades para dar suporte a rápida expansão do ecossistema digital.

Expetativas do mercado

As expectativas do mercado indicam quanto os potenciais usuários entendem que o ecossistema tem probabilidade de se disseminar no longo prazo. Os usuários costumam levar em consideração sua participação no ecossistema não apenas pelo tamanho da rede, mas no potencial de crescimento da plataforma e dos atores com quem eles podem interagir no futuro. Uma nova plataforma deve satisfazer as preocupações dos usuários construindo expectativas confiáveis para o sucesso futuro do ecossistema.

Esta é uma das razões pelas quais o Windows Phone não obteve sucesso. A Nokia e a Microsoft não conseguiram criar expectativas positivas suficiente no mercado, como resultado perderam mercado para o Apple iOS e o Google Android.

Para moldar as expectativas do mercado é preciso mostrar comprometimento com a plataforma, lançar produtos e serviços iniciais para reforçar este compromisso e dar o pontapé inicial ao ecossistema. Realizar parcerias iniciais em suporte a plataforma é essencial para aumentar as expectativas do mercado.

Agora que entendemos as dimensões da plataforma, do efeito de rede e das expectativas do mercado, é preciso compreender como ativar estes três elementos. Para isso, um conjunto de habilitadores devem ser utilizados para desenvolver estas dimensões.

Habilitadores das Plataformas Digitais

APIs (Application Programming Interfaces)

Os APIs são os blocos de construção do ecossistema digital, são os elementos que definem a abertura e a modularidade da plataforma. Projetar um API para todos os propósitos é inviável, então deve haver uma estratégia e um foco bastante claro do ecossistema que o API pretende servir. A definição dos APIs já vai proporcionar uma indicação do modelo de receita da plataforma, incluindo preços e suporte aos desenvolvedores.

Comunidades

Para um ecossistema funcionar de maneira apropriada é preciso existir comunidades de participantes, e estes devem ser capazes de desenvolver produtos e serviços baseados nos recursos da plataforma (APIs). Alguns pontos chave para gerenciar estas comunidades incluem: 1) estabelecer um modelo de propriedade intelectual claro e justo, no qual os desenvolvedores possam monetizar seus desenvolvimentos; 2) abrir a plataforma até um nível que permita e encoraje a inovação; 3) criar um “senso de comunidade” que permita a troca de ideias e fomento a colaboração; e 4) manter uma porta aberta para receber feedback e aprimorar a plataforma com base no seu ecossistema.

Permitir que as pessoas invistam e criem produtos e serviços na plataforma permite um maior conjunto de opções para os usuários finais, e quanto mais rápido o ecossistema desenvolve uma reputação positiva entre os desenvolvedores, maiores as chances de outros serem atraídos e mais difícil será para os concorrentes replicarem os benefícios da comunidade. Quanto mais desenvolvedores, mais usuários são atraídos.

Produtos e serviços pontas de lança

Os produtos e serviços iniciais que são colocados na plataforma tem vários objetivos, geralmente eles devem ser disponibilizados pelo líder da plataforma como forma de mostrar comprometimento com o ecossistema e criar uma motivação para que os usuários entrem na plataforma. Pense na indústria de consoles, geralmente o desenvolvedor da plataforma precisa lançar alguns jogos por conta própria para atrair os usuários para seus consoles e dar início ao efeito de rede. A quantidade de usuários que entrar no ecossistema vai enviar um sinal para os desenvolvedores que aquele é um ecossistema atrativo para participar.

Para o líder da plataforma, cabe definir quais são os produtos e serviços certos para investir. Mesmo que o líder não possua as competências para desenvolver estes produtos e serviços iniciais, deve se valer da força da comunidade, parcerias e desenvolvimento conjuntos com os desenvolvedores e entre eles. Um cuidado que se deve tomar é para não lançar produtos e serviços que sejam concorrentes dos desenvolvedores atuais e futuros da plataforma.

Funções de suporte

Um ecossistema digital precisa, por algum tempo, de suporte contínuo depois de ser criado. Este suporte pode incluir o suporte técnico (como usar o API), marketing (como ganhar dinheiro na plataforma) e operações (serviços de logística como a Amazon por exemplo). Portais dedicados com SDKs (Software Development Kits), documentações e outros formulários online. Autosserviços e suporte das partes, como fóruns online, podem adicionar valor a plataforma. Certificações de apps, melhores práticas de design de produtos e serviços e canais com o mercado através de um marketplace também são funções de suporte importante.

Modelo de receita

O modelo de receita deve estabelecer a forma de geração e alocação de receitas, um que incentive os participantes a se juntarem ao ecossistema em um estágio inicial ao mesmo tempo que reduz seu risco de inovação. O modelo de receita nem sempre será um único, e pode ser diferente para cada lado do mercado que está sendo atendido, como já vimos anteriormente.

Alguns parceiros serão atraídos por um modelo de divisão de receita, enquanto outros podem preferir um modelo de licenciamento ou royalties fixos. Modelos freemium podem ser uma ótima forma de encorajar a entrada mais cedo e a adoção do ecossistema pela comunidade. Você também deve lembrar de olhar para a realidade do mercado e como ele opera na hora de decidir pelo modelo de receita da plataforma.

Governança

Por fim, para um ecossistema funcionar e crescer, é preciso regras claras. Um modelo de governança do ecossistema deve ser transparente, estabelecendo de forma clara as regras de entrada e engajamento entre os parceiros. A governança também deve estabelecer como serão resolvidos os problemas, as disputas e como o valor será distribuído em termos do modelo de receita. Assim como os demais habilitadores a governança deve dar suporte ao ecossistema e ajudar a criar valor para todos os stakeholders.

Usando este modelo

Este framework deve ser utilizado como um guia na hora de você desenvolver a estratégia da sua plataforma e do seu ecossistema digital, seja você o líder ou um participante do ecossistema. Neste modelo foi abordado os componentes chave e a aplicação prática de seis habilitadores na formação de empresas baseadas em plataformas digitais viáveis.

Cada um destes componentes deve ser utilizado de forma diferente dependendo do contexto, da maturidade do ecossistema e da estratégia que se está utilizando. Este modelo não deve ser considerado a única forma de implementar uma plataforma, e permite grande flexibilidade em sua utilização.

Se você quiser testar este modelo, tente compará-lo com uma plataforma digital existente para compreender como o modelo funcionar, e quando for implementar a sua plataforma lembre de passar por todos os pontos destacados neste framework para garantir que você não esqueceu os principais fatores que vão impactar no sucesso do seu ecossistema digital.

E agora, você se sente mais seguro para implementar a sua plataforma? Ainda restam dúvidas?

Entre em contato para conversarmos.

Texto baseado em (Evans e Schmalensee, 2016; Valdez-De-Leon, 2019).

EVANS, D. S.; SCHMALENSEE, R. Matchmakers: The New Economics of Multisided Platforms.Harvard Business School Press Books, 2016.

VALDEZ-DE-LEON, O. How to Develop a Digital Ecosystem – a Practical Framework. Technology Innovation Management Review, v. 9, n. 8, p. 43–54, 2019.