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Ascensão e Queda das Plataformas de Trabalho

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Ascensão e Queda das Plataformas de Trabalho

No sistema doméstico de trabalho as pessoas são contratadas para trabalhar de suas casas ou sem precisar ir até a empresa. Os meios de produção são delas e elas entram em um acordo com o contratante sobre o trabalho que deve ser feito, o preço, a forma de pagamento, etc.

Em geral o trabalho é realizado sob demanda, ou seja, quando o contratante precisar do trabalho ele irá buscar o trabalhador para fechar o acordo. Este acordo é feito por empreitada e não por horas trabalhadas, o que diferencia claramente de um funcionário contratado.

O contratado é que disponibiliza dos meios para realizar o trabalho e não o contratante. A entidade que organiza o trabalho não é o consumidor final, na verdade o contratante vai posteriormente vender o produto fabricado para os clientes finais. O que difere do sistema de trabalho dos artesões, que é muito mais antigo.

Vamos usar o Uber como um exemplo, o trabalhador não precisa ir até a empresa, ele realizada o trabalho por empreitada, o valor do contrato não é negociado, mas definido de cima para baixo, o trabalhador possui os meios para realizar o trabalho – seu carro, o contratante não usa o resultado do trabalho, mas vende para o cliente final – o passageiro.

O sistema doméstico de trabalho data do século 19 até início da primeira revolução industrial.

O que as plataformas modificaram?

As plataformas adicionaram ao sistema doméstico de trabalho do século 19 as tecnologias digitais.

Com a revolução industrial e os métodos de Taylor (1911), relacionados ao controle do trabalho, as plataformas também decidiram adotar este sistema. Os modelos de controle atualmente adotados pelas plataformas variam, mas em geral podem contemplar o trabalho que precisa ser feito, qual a avaliação do cliente, nível de satisfação, prazo de entrega, entre outros.

Para otimizar o custo, em muitos casos é utilizado um modelo de lances pelo trabalho, onde possíveis contratados dão lances menores em valor financeiro para conseguir a tarefa que está sendo ofertada pelo cliente.

Saúde e Segurança

Antes da primeira revolução industrial que iniciou em 1760, não havia muitas regras sobre como a saúde e segurança deveria ser tratada. As crianças poderiam começar a trabalhar com 4 anos e por períodos de mais de 12 horas por dia.

O trabalho era particularmente perigoso, pois muitas tinham que subir em máquinas e por vezes tinham seus membros decapitados, quando não eram suas cabeças ou tinham seus corpos esmagados.

Em 1802 surgiu no Reino Unidos o primeiro ato sobre Saúde e Moral para Aprendizes que incluía que as fábricas:

– Tivessem janelas suficientes para iluminação e ventilação;

– Fossem limpas duas vezes por ano;

– Limitassem as horas de trabalho para 12 horas por dia;

– Não permitissem trabalho entre 21h e 6h;

– Proporcionasse roupas e acomodações para dormirem; e

– Instruísse os aprendizes em leitura, escrita, aritmética e os princípios da religião cristã.

Poderíamos dizer que se levássemos em considerações estes requisitos para algumas fábricas da atualidade, já teríamos alguns avanços em algumas indústrias.

As plataformas e os clientes finais não têm nenhuma responsabilidade relacionadas a saúde e segurança perante os contratados, mas você pode se questionar por que isso seria importante.

Alguns dos trabalhos que são realizados não envolvem apenas sentar-se na frente da tela de um computador, e mesmo nestes casos existem regras relacionadas a jornada de trabalho, períodos de descanso, tempo de tela, etc.

Alguns trabalhos contratados através das plataformas envolvem serviços em altura, reparos elétricos, jardinagem, condução em ambiente hostis, etc. Desta forma é minimamente se pensar em termos de segurança e saúde das pessoas que atuam nestas profissões, se não legalmente, eu diria que ética e moralmente.

Do século 19 ao 21

Exceto pela ausência dos sistemas digitais para coordenar, supervisionar e compensar os trabalhadores, o sistema de trabalho do século 19 é bastante comparável ao modelo de negócios das plataformas de trabalho (Stanford, 2017), se não pior.

Em um modelo tradicional de empresa, a organização possui máquinas e equipamentos, contrata a mão-de-obra, vende para um cliente, cobra, recebe e repassa os salários. Em uma plataforma a empresa proprietária conecta usuários a mão-de-obra fazendo a venda, cobra, recebe e repassa o valor para o executor.

Neste modelo a empresa não precisa mais dispor de máquinas e equipamentos e não precisa contratar a mão-de-obra através de um contrato de trabalho, porém continua vendendo, cobrando, recebendo e repassando parte do valor, geralmente cobrando uma taxa por cada transação.

Não precisamos apossar contra o futuro, ou rejeitar estes modelos precários de trabalho que a maioria das plataformas de trabalho tem incorporado. Estas práticas não são novas e não são resultados da tecnologia, elas refletem práticas sociais que foram utilizadas no passado e que estão sendo reformuladas agora e para o futuro (Stanford, 2017).

Empreendedorismo

Para que todos tenhamos um entendimento comum do significado de empreendedorismo é necessária uma definição comum. Mesmo entre estudiosos da área de empreendedorismo existe discordância sobre o significado de empreendedorismo. Além da necessidade de compreensão do termo empreendedorismo da mesma forma por todos os envolvidos, ter uma definição comum auxilia pesquisadores a buscarem um entendimento para o mesmo fenômeno. Na falta desta definição comum cada pesquisador pode entender o tema de forma diferente e chegar a conclusões diferentes sobre o mesmo tópico.

Torna-se clara a necessidade de encontrarmos uma definição comum para o termo empreendedorismo. Schumpeter (1934) define o empreendimento como sendo: 1) a introdução de um novo bem; 2) a introdução de um novo método de produção; 3) a abertura de um novo mercado, ou seja, um mercado onde a indústria ainda não tenha adentrado; 4) a conquista de uma nova fonte de matéria-prima ou bens manufaturados, e; 5) o estabelecimento de uma nova organização.

Outra definição muito utilizada versa que o empreendedorismo está associado a entrada em um novo mercado, seja através de uma nova empresa ou por ação de uma empresa já existente. Esta nova entrada pode ser realizada por um indivíduo ou por uma organização já constituída a mais tempo (Lumpkin e Dess, 1996). Já Stevenson e Jarillo (1990) definem o empreendedorismo como sendo o processo de perseguir oportunidades.

Desta forma podemos considerar que fazer algo diferente do que é feito atualmente, seja trazendo um novo produto para o mercado ou participando de um novo mercado, ou produzindo de forma diferente ou através de novos fornecedores, ou ainda abrindo uma nova organização, é um ato empreendedor.

Nas plataformas de trabalho atuais não é o contratado, vulgo empreendedor, que define o que está sendo criado, mas o contratante, vulgo cliente, e do ponto de vista das definições acima exploradas, não há nada de empreendedor nisso.

Nenhuma das pessoas que atua no mercado ‘gig’ possui uma organização, na verdade, embora independentes eles atuam e se comportam mais como funcionários do que como empreendedores.

Chamar estas pessoas de empreendedores pode ser motivador para alguns, mas do ponto de vista dos autores que citei, não estamos nem perto disso. E aqui surge uma outra questão importante sobre o empreendedorismo, aquele realizado por oportunidade, quando o empreendedor decide criar uma nova organização por que existe uma oportunidade de mercado, e aquele empreendedor por necessidade, que não consegue emprego e precisa aceitar qualquer atividade para receber um salário e sustentar a si e a família.

Em geral a maioria das pessoas, estudiosos ou não, concorda que o empreendedor por oportunidade é que desenvolve a economia de qualquer país, e não os empreendedores por necessidade, que utilizam a atividade não para inovar no mercado, mas para sustento próprio.

Os “empreendedores” realmente têm escolha?

Qualquer empresa sabe que se você está em uma indústria com alta competitividade as suas opções estratégicas são limitadas. Em setores fragmentados a oportunidade é a consolidação (vender ou comprar outras empresas), em setores emergentes a vantagem é ser pioneiro, em setores maduros o investimento deve ser em melhoria de produto e de processo, em setores em declínio a estratégia é ser o líder, focar em um nicho, ou pular fora logo.

Podemos ver que mesmo para as empresas as escolhas são limitadas. Para um trabalhador que pode ter o seu sustento dependendo da plataforma, que geralmente é um mercado fragmentado e de baixa diferenciação, não há opções estratégicas. Você não consegue se diferenciar pois é a plataforma que controla a sua relação com o cliente, e não consegue consolidar, pois não há como adquirir a concorrência.

Aquele empreendedor por oportunidade provavelmente está fazendo uma escolha, quando decide não ser um funcionário e ter a sua empresa. Já o empreendedor por necessidade, preferiria estar trabalhando como empregado ao invés de estar tentando sobreviver com seu negócio, as motivações são muito diferentes.

Estas motivações é que definem se a pessoa realmente tem uma escolha quando ela se torna “empreendedora” em uma plataforma de trabalho, ou seja, um trabalhador da economia ‘gig’.

Razões legais e econômicas

Assim como o sistema doméstico de trabalho, as linhas de produção, e agora as plataformas, parte do surgimento destes modelos são inevitáveis. Não podemos ir contra as tendências, especialmente aquelas tecnológicas.

As razões pelas quais estes modelos surgem estão diretamente relacionados a fatores econômicos onde se busca reduzir o custo e aumentar a eficiência dos meios de produção. Sem dúvida alguma temos legislações que precisam ser melhoradas, adaptadas as novas demandas do mercado e as novas tecnologias que surgem, mas não devemos trocar eficiência e ganho econômico por fatores como saúde e segurança, precariedade do trabalho, longas jornadas dentro de veículos ou sobre motos.

Se as empresas não derem o primeiro passo para se ajustarem e desenvolverem sistemas e regras que beneficiem clientes, contratados e plataformas, outras entidades vão tomar a frente. E assim como não podemos ir contra as tecnologias porque elas são inevitáveis em muitos casos, as legislações, normas e regras também o são.

O século 21 e adiante

Diversos países já estão criando suas legislações para alinhas regras e expectativas com relação as plataformas de trabalho, este é um grande desafio, já que a legislação permanece local, enquanto as plataformas têm um alcance mundial (Stewart e Stanford, 2017).

Do ponto de vista das organizações, hora ou outra elas vão ter que adaptar seu modelo de negócio, sendo que algumas já estão modificando suas práticas para estarem mais alinhadas com os novos requisitos legais que surgem.

Ao mesmo tempo surgem outras oportunidades de plataformas que superem os desafios atuais e futuros, permitindo um ambiente de trabalho que realmente implique em ganhos para todas as partes envolvidas, levando em consideração fatores como valor do salário mínimo, horas trabalhadas, sistemas de controle menos intrusivos, saúde e segurança, seguro para trabalhadores e para clientes, etc.

No final as plataformas não deixam de ser mercados de dois ou múltiplos lados, e aqueles que conseguirem sair na frente e desencadear o maior efeito rede, atraindo todos os lados para a plataforma E mantendo todos os atores engajados, terá o melhor modelo de negócio. Sua empresa está pronta para desenvolver este modelo e obter sucesso?

Referências

LUMPKIN, G. T.; DESS, G. G. Clarifying the Entrepreneurial Orientation Construct and Linking It to Performance. The Academy of Management Review, v. 21, n. 1, p. 135–172, jan. 1996.

SCHUMPETER, J. A. Teoria do Desenvolvimento Econômico: Uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. 1997. ed. São Paulo: Editora Nova Cultura, 1934.

STANFORD, J. The resurgence of gig work: Historical and theoretical perspectives. Economic and Labour Relations Review, v. 28, n. 3, p. 382–401, 2017.

STEVENSON, H. H.; JARILLO, J. C. A paradigm of entrepreneurship: Entrepreneurial management. Strategic Management Journal, v. 11, n. Special issue, p. 17–27, 1990.

STEWART, A.; STANFORD, J. Regulating work in the gig economy: What are the options? Economic and Labour Relations Review, v. 28, n. 3, p. 420–437, 2017.

TAYLOR, F. W. Princípios de Administração Científica. 8 ed 17 re ed. São Paulo: Atlas, 1911.